Rio Preto de águas turvas, profundas, corredeiras parvas e remansos doces.
Nas pedras escuras de suas margens, o contido sussurro de Yara,
musa sem sexo que se lava no rio em dia de lua cheia.
História de pescador. Vale dizer e digo.
Podia ficar ali, debaixo da ponte do trem, horas a fio, entre um pilar e outro;
Olhos fixos n'água, a certeza de seu rolar para o mar distante,
Borbulhar da corrente, silêncio de pássaros e tarde de sol, até que:
Como por um reflexo da brisa quente, meu corpo abraça e rio.
A luta com a correnteza até o outro vão da ponte.
Trabalho duro para braços fracos; coração combalido
De amores que não vingaram, de lutas perpétuas, parábolas de justiça, metáforas do ser.
Daquela margem não se volta enquanto canoa passa ...
Canoeiro se espanta e grita:
- Cuidado môço, este lugar é de perigo: redemoinho; sorve a vida pra fundura do rio.
O canoeiro segue seu curso no rio. Eu fico a pensar...
Se fui pra que voltar? De medo não paro ... é que trago na proa do barco vida
Carranca do diabo e não me espantam os demônios do rio.
Viver é isso... um canoeiro ... os perigos do rio e o canto da sereia na noite de lua.
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Veja
aqui uma pérola digital que resgata o olhar navalha de W. Benjamin nas nervuras da umburana das carrancas do Velho Chico, riomar das Minas Gerais, que sucumbe, à míngua, na lábia dos saqueadores de plantão nos poderes político e econômico do Brasil globalizado, entubados nos corredores dos três poders de Brasília, que só é visível na televisão.
Ainda, vale citar o poema de Carlos Drummond de Andrade, postado em OVERMUNDO, na home: "Carrancas: A Cara do São Francisco", de Luis Osete
:
Exposição de Carrancas
As carrancas do rio São Francisco
largaram suas proas e vieram
para um banco da Rua do Ouvidor.
O leão, o cavalo, o bicho estranho
deixam-se contemplar no rio seco,
entre cheques, recibos, duplicatas.
Já não defendem do caboclo-d'água
o barqueiro e seu barco. Porventura
vem proteger-nos de perigos outros
que não sabemos, ou contra assaltos
desfecham seus poderes ancestrais
o leão, o cavalo, o bicho estranho
postados no salão, longe das águas?
Interrogo, prescruto, sem resposta,
as rudes caras, os lenhados lenhos
que tanta coisa viram, navegando
no leito cor de barro. O velho Chico
fartou-se deles, já não crê nos mitos
que a figura de proa conjurava,
ou contra os mitos já não há defesa
nos mascarões zoomórficos enormes?
Quisera ouvi-los, muito contariam
de peixes e de homens, na difícil
aventura da vida de remeiros.
O rio, esse caminho de canções,
de esperanças, de trocas, de naufrágios,
deixou nas carrancudas cataduras
um traço fluvial de nostalgia,
e vejo, pela Rua do Ouvidor,
singrando o asfalto, graves, silenciosos,
o leão, o cavalo, o bicho estranho...
Luís Osete · Juazeiro (BA) · 10/3/2008 20:11
O que me dizem do poeta de pedra sentado eternamente na calçada de Copacabana, no RIo de Janeiro, sem manifestar sua opinião sobre os que vem e os que vão pelo túnel Rebouças?
Será que basta "olhar as saias de quem vive pelas praias" a curtir o seu "corpitcho"?
Outro dia roubaram os óculos do poeta mineiro... por pouco tempo... outro já está no lugar para o turista ver.
Drummond de pedra está nas ruas e esquinas de Itabira, terra natal do poeta, consagrada no mapa geopolítico nacional como a glória da pátria
e da Cia Vale do Rio Doce, que se mudou de lá quando o minério de ferro se exauriu.
Aos itabiranos desempregados da mineiradora, resta a lembrança poética
de serem feito de ferro, tristeza e orgulho, como cantou o poeta mineiro radicado no Rio de Janeiro por necessidade do ofício e razão de poeta.
hasta la vista!